Todos os participantes selecionados para a segunda etapa eliminatória do Prêmio Salão Design que utilizam madeiras alternativas na fabricação de suas peças concorrem ao prêmio especial Madeiras Alternativas. Essa premiação, realizada em parceria com o Laboratório de Produtos Florestais (LPF) Serviço Florestal Brasileiro (SFB), convida designers e indústrias a olharem para espécies menos utilizadas no setor moveleiro, além de reforçar a importância do manejo sustentável.
Na 26ª edição do Prêmio Salão Design, o projeto contemplado foi o Banco Gruta, produzido com angelim amargoso (Vatairea sp). A peça é assinada por Patrick Afornali, que realizou sua viagem de imersão entre os dias 11 e 15 de agosto de 2025. Conversamos com ele para saber um pouco mais sobre a experiência. Confira e entrevista!
Patrick, qual sua trajetória antes de receber o prêmio Madeiras Alternativas?
Sou filho de marceneiro e cresci em meio a uma oficina. Me formei bacharel em Biologia (2011) e Design (2024) pela PUC Paraná e atualmente curso mestrado em Design pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2015, comecei a atuar como designer de mobiliário e desenvolvedor de produtos com ênfase na funcionalidade.
Em 2019, decidi lançar minha própria marca e desenvolver produtos que tivessem a natureza como fonte de inspiração, unindo minha primeira formação (em biologia) através da biomimética, buscando traduzir as estratégias e soluções da natureza em design. Nas minhas criações, sempre existe o design tátil, peças que convidam para uma experiência.
Já conquistei diversas premiações de design, como Prêmio Museu da Casa Brasileira, Prêmio de Mobiliário do Mercado Arte e Design e, mais recentemente, Prêmio Salão Design. Também ganhei premiações internacionais, como o italiano Isola Design Award e o Architecture Design Collection Awards, além de integrar exposições no Brasil e pelo mundo, como MADE, Paris Design Week, Salone del Mobile e Fuori Salone, em Milão.

Banco Gruta, assinado por Patrick Afornali
Qual sua relação com o uso de madeiras alternativas no design de mobiliário?
Eu sempre tento utilizar a matéria-prima nova para poder me destacar, tentar sair da mesma bolha que muita gente, aí eu posso me tornar um destaque entre as outras peças. Tento sempre trabalhar com esse viés. Trabalhar com alguma matéria-prima nova, uma madeira nova, é uma tendência sempre nas minhas coleções.
Por que usou a espécie angelim amargoso no Banco Gruta?
No caso do Banco Gruta, não foi muito a questão da escolha da espécie, por ela ser alternativa. Foi como uma bonificação, por ela ser uma madeira diferente das convencionais.
O Banco Gruta em si foi por uma dor mais específica quando eu ia fazer a compra de madeiras, para fazer outros projetos. Eu sempre vi essas madeiras jogadas lá, como lenha, às vezes jogada em caçamba, então tinha muita sobra de madeira, porque essa madeira (angelim pedra e angelim amargoso, no modo geral), o pessoal usa para fazer muita estrutura, porque ela tem um valor não tão alto, e é uma madeira muito boa para área externa. Fazem pergolados, decks, enfim, estruturas de construção civil mais de madeira. Eles pegam uma viga de três metros e quando tem um pedido com dois metros e meio, por exemplo, eles cortavam e sempre sobravam esses tocos. É normal ter essas sobras num plano de corte. A partir dessas sobras fui selecionando vários tamanhos e várias medidas, mas dentro da mesma madeira, porque era a que mais tinha ali, para poder fazer e desenvolver esse banco.
A peça é, na verdade, uma parte mais sustentável do reuso de uma matéria-prima tão nobre que seria descartada. Desenvolvi esse banco para transformar essas madeiras numa peça que tem uma longevidade maior, dar sobrevida a essa matéria-prima.
Por favor, compartilhe um relato sobre suas experiências na viagem.
A primeira parada foi em Brasília, uma parte mais científica. Foram dois dias de vivência nos laboratórios do Serviço Florestal Brasileiro. Eles têm serviços lá que descrevem as madeiras, desde a densidade, padronização de como verificar aquela espécie, coloração, uso. Eventualmente podem até fazer uma queima da madeira, transformá-la em carvão para poderem fazer uma verificação de como que é esse aspecto para poderem identificar fornecedores clandestinos de carvão. É um trabalho muito sério que eles têm lá com a madeira e também envolve oferecer madeiras alternativas para parte da indústria, como o uso na construção civil no modo geral, para a gente não ficar refém de uma espécie só. Porque quando o Brasil inteiro fica refém de uma ou duas espécies de madeira, a tendência é que a matéria-prima acabe.

Em Brasília, Patrick visitou o setor de Anatomia do LPF, coordenado por Alexandre Gontijo
A gente tem essas “fases de madeira”. Já teve a fase da imbuia, no Sul tem muito a questão da araucária. A gente dizimou essas espécies de tanto que usou. Agora estamos na tendência do freijó. Qual madeira pode substituir na questão de durabilidade para construção civil? Você não tem mais o freijó, mas tem dez espécies com a mesma densidade, a mesma característica, a mesma questão de tração. O Serviço Florestal Brasileiro faz testes físicos de quanto a madeira aguenta. Testes com cola, com verniz, sem verniz, para poderem trazer opções para as outras pessoas.
Esses dois dias em Brasília foram enriquecedores no sentido de a profundidade que os laboratórios do SFB trabalham com essas madeiras. Eles trazem essas informações para a gente e fazem disso, realmente, algo ao nível comercial, que a gente precisa. Realmente um viés mais econômico, para mudarmos um pouco nosso pensamento em relação às madeiras alternativas.
A viagem também teve uma parada em Rondônia. Como foi por lá?
Foram dois a três dias bem intensos, muito legal mesmo. Chegando a Porto Velho, com um calor de 30ºC na madrugada, o curitibano não está tão habituado, então já estava fora da minha zona de conforto e isso foi muito legal.
No outro dia a gente foi para a floresta de Jacundá, que é uma concessão. Uma floresta nacional, uma flona de Jacundá, onde tem a Madeflona que tem direito de concessão para fazer a exploração dessa área. Naquele momento que eu fui, eles estavam fazendo realmente a extração de madeira, o corte, o arraste, todo o processo.
O pessoal foi excepcional ali do Serviço Florestal Brasileiro de Rondônia. Eles me levaram na Jacundã e depois na Jamari, que é uma que eles já tinham feito a extração e vão voltar a fazer agora no final do ano. Nessa de Jacundã, eu observei como que é feita a seleção das madeiras. Tem um trabalho anterior a todo esse processo de corte, que é com o pessoal de Engenharia Florestal. Eles fazem um inventário florístico de toda a área de concessão, então sabem, geograficamente, onde está cada espécie de árvore, qual delas pode ser cortada, qual não pode, quais são as imunes a corte, quais são as árvores que podem ser cortadas, quais estão próximas a essa imune à corte (que tem um risco de queda em cima da outra árvore, daí às vezes nem cortam por causa do risco de queda).

Em frente a um jequitibá rosa derrubado pela equipe da Madeflona. Da esquerda para a direita: o engenheiro florestal da Madeflona, Alvaro Patrik Corteze Soares, engenheiro florestal do SFB, Adriano Cezário Ferreira, e equipe da Madeflona
É um trabalho bem sério também de escolher, dentro desses hectares que eles têm a concessão, quais unidades e quais árvores vão sair. Eles têm um cuidado também de para qual lado derrubar, para poder agredir o mínimo possível, porque uma das partes da concessão florestal é você não tirar uma cobertura vegetal tão grande. Se você chega a um ponto próximo de 18% de você remover a massa verde, dentro dessa área, há algumas penalizações, então tem que estar sempre abaixo desses 18%.
A Madeflona realmente fica na faixa de uns 12% a 13%, que é muito bom. Eles têm um corte bem preciso, sem devastar muito. O pessoal da engenharia está sempre “em cima” e tem o Serviço Florestal Brasileiro, vendo todas as unidades que eles tiram, fazendo um mapeamento. Acho que esse tipo de concessão que eu vi lá é o único jeito de deixar a floresta em pé quando você faz esse manejo.
Você ganha esse dinheiro com a madeira, a pessoa que é dona explora isso de uma maneira comercial e benéfica para ela, mas também consegue ser meio que uma biópsia na floresta. Eu gosto desse termo para poder entender. Eles fazem alguns manejos de algumas unidades que depois, só daqui a 20, 25 anos vão explorar aquela área de novo. Em questão de metro cúbico de madeira, nesse período aquela unidade fica quietinha, se recuperando dessa exploração, e volta ao estado original da floresta. Isso é tudo com base em estudos científicos.
O fim do roteiro foi na sede do Serviço Florestal Brasileiro em Porto Velho. O que chamou sua atenção nessa imersão?
Lá eles também têm essa questão de ficar mapeando, fazendo essas verificações nas áreas de concessão, então eles usam drones para fazer esse monitoramento das espécies que são cortadas, fazem o monitoramento da flora que está sendo explorada nas concessões. Eles têm todos esses parâmetros para poder analisar se a Madeflona está realmente cumprindo o contrato, fazendo o que deve ser feito, se está protegendo e conservando a floresta.
O Serviço Florestal Brasileiro de Rondônia também vai sempre fazendo observações de desenvolvimento de garimpo, aí eles passam essas informações para a polícia, sobre áreas novas que estão acabando, por exemplo, então tem esse serviço de trazer essas informações para o poder público de segurança para poder fazer uma intervenção e tudo mais. O SFB também mantém conversas com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), então tem todo um parâmetro por trás para eles fazerem esse desenvolvimento, inclusive com laboratórios bem técnicos e responsáveis para poder sempre fazer a conservação da flora local.

Patrick visitou a unidade regional do Serviço Florestal Brasileiro em Rondônia
Você acredita que essas experiências refletirão na sua atuação como designer de móveis?
Com certeza absoluta! Às vezes a pessoa que consome madeira sabe que vem da floresta, é tão óbvio, mas não sabe como essa árvore foi retirada, qual o dano disso, como que impacta na vida. Depois você acaba olhando a matéria-prima de uma maneira mais delicada ainda, no sentido de algo mais raro.
Eles fizeram dois cortes lá, de uma muiracatiara e de um jequitibá rosa. Uma árvore grandona, que tinha com certeza três vezes ou quatro vezes a minha idade, então ela estava no mundo antes de mim. A gente está basicamente cortando uma vida que estava quietinha na floresta e a gente foi lá e removeu. Tem um pouco desse apelo, mais sentimental, mas quando você olha o todo vê áreas que não têm concessão, entende que é necessário, porque precisamos da matéria-prima. A gente não consegue hoje viver sem a madeira, ela está difundida na sociedade. Se for precisar dessa matéria-prima, que seja dessa maneira de concessão.
Trabalhar talvez com as madeiras que tenham realmente um dofe bem estruturado, documento de origem florestal, ou que tem algum certificado de alguma questão mais sustentável. Eu acho que é um mínimo hoje que nós, designers, temos que utilizar.
Muito designer não gostaria muito de ter tido essa experiência, então a minha ideia é começar a fazer uns conteúdos desses lugares que eu visitei para poder ser um provedor dessas informações. Tentar passar um pouco dessa vivência que eu tive para dentro da minha esfera do design e também para outras pessoas. Acho que essa foi a maior transformação!
Qual sua mensagem para inspirar outros profissionais e estudantes da área a utilizarem madeiras alternativas em seus projetos?
O uso da madeira alternativa, a nível da indústria que a gente tem hoje, eu acho que é quase uma obrigação. Nós, como profissionais, temos que mostrar que existe esse potencial no uso de madeiras alternativas para trazer produtos que são tão belos e funcionais quanto os tradicionais. Existem madeiras diferentes que vão dar um aspecto às vezes até melhor do que as tradicionais, então, fugir um pouco da casinha e das ondas de conforto, é ótimo.
Não ter medo de experimentar. Procurar informações mais técnicas para evitar uma questão mais funcional nos produtos, às vezes usar uma espécie que se adapte bem ao uso da cola, entender se aquela espécie pode ser utilizada para colar, parafusar. Entender um pouquinho disso vai fazer você ser mais assertivo na escolha.
Acho que madeiras alternativas são o nosso futuro. Cada vez mais a gente vai ter mais opções de madeira e isso vai deixar com que outras espécies que estão sendo super exploradas por uma questão mais de tendência estética continuem existindo no planeta.

Visita à Floresta Nacional do Jamari, em uma das parcelas florestais que foi explorada em 2011 e hoje serve de objeto estudo sobre regeneração pós manejo florestal
SOBRE O PRÊMIO SALÃO DESIGN
Principal e mais tradicional premiação latino-americana do design de mobiliário, o Prêmio Salão Design é realizado desde 1988 pelo Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindmóveis) com o objetivo de aproximar designers e indústrias. Além de tornar o setor moveleiro mais competitivo, inovador e sustentável, cria uma vitrine internacional para o talento de profissionais e estudantes, possibilitando parcerias e reconhecimento no mercado. Ao lado do Prêmio estão marcas que acreditam na importância do design como ferramenta de competitividade para indústrias moveleiras e fomento de oportunidades para profissionais e estudantes. Patrocínio Master: Duratex e Interprint; Patrocínio Standard: Akeo; Patrocínio Especial: Renna.